(Este texto foi originalmente publicado, em versão reduzida e com o título alterado para "A Solidão do Maratonista", em uma das edições do ano de 2014 do caderno Movi+, do Jornal NH).
Um dos perigos da vida
contemporânea é a destacada vocação da nossa sociedade para a padronização dos indivíduos.
Antigamente, nos perguntávamos qual era o nosso papel no universo e no esquema
maior do grande mistério da vida. Hoje, nos perguntamos qual é o nosso papel
nas engrenagens dos sistemas sociais - supondo que haja algum.
O que somos nós? Usuários,
consumidores, trabalhadores, espectadores: nomes e estatísticas em bancos de
dados. A perda da riqueza da individualidade é "compensada" por um
número sem precedentes de opções na hora de consumir (afinal, vivemos na
"Era da Customização"), o que permite que cada consumidor seja
maravilhosamente único ... enquanto consumidor. Mais ou menos como se
deixássemos de ser apenas mais um tijolo no muro porque, agora, cada tijolinho
tem uma cor diferente - customizável!
O genial quadrinista
Bill Watterson, em uma das célebres tirinhas da série "Calvin and
Hobbes" ("Calvin e Haroldo" aqui no Brasil), exibia o pequeno
Calvin com uma camiseta repleta de marcas famosas, enquanto o personagem
esclarecia ao seu amigo Hobbes a importância daquilo: "Endossar marcas
consagradas é o jeito americano de demonstrar individualidade".
Uma sociedade que
direciona as pessoas para papeis passivos e uniformizados é, por definição, uma
sociedade que torna difícil a atividade criativa e o desenvolvimento de sonhos únicos
e individuais. Mais do que nunca, nossa sociedade celebra os
"vencedores" e condena os "perdedores" - com a condição de
que os vencedores joguem pelas regras já estabelecidas. Toda vez que uma pessoa
tenta ser bem sucedida em seus próprios termos - ou fazendo as coisas do seu
próprio jeito-, a tendência geral é enxergá-la como excêntrica, sonhadora ou
iludida. Ai de você que queira se destacar na vida fora das opções básicas que
o nosso menu oferece, espertinho! Esteja pronto para ser acusado de irresponsabilidade,
de "não pensar no futuro", de "não saber o que quer da
vida", etc. Parafraseando o Supertramp em uma de suas melhores canções:
"Por que você não assina aqui o seu nome? Nós gostaríamos de sentir que
você é aceitável, respeitável, apresentável - um vegetal!".
Correr atrás de um
sonho talvez seja a atividade humana mais solitária que existe. Seja no
esporte, na carreira profissional, na formação acadêmica ou em uma atividade
artística, perseguir um sonho é sair da zona de conforto. É sacrificar a
tranquilidade do presente em busca de um futuro idealizado, é abrir uma estrada
em direção a algo melhor. Mesmo quando contamos com a ajuda e/ou solidariedade
de amigos ou familiares, ainda assim é algo que ninguém pode fazer por nós
senão nós mesmos. Lutar pela realização de um sonho é uma corrida de longa
distância que cobra o preço da intensa dedicação e do frequente afastamento de
coisas e pessoas que gostamos. Será que vale à pena? Será que a vida não é
curta demais para sair da zona de conforto, do comodismo, da rotina aprazível,
dos prazeres fugazes da sociedade de consumo?
Se alguém me
perguntasse (ninguém perguntou), eu arriscaria uma resposta. Sonhar e lutar por
um sonho são atitudes que podem ser resumidas em uma única palavra: criar. Se
existe um Criador, nenhuma outra ação reafirma tanto a nossa natureza divina
quanto o ato de criar - por meio do qual provamos, de fato, que fomos feitos à
Sua imagem e semelhança. É por isso que toda a sabedoria das grandes religiões
tradicionais gira em torno de um grande Criador (e não de um "Grande
Consumidor", "Grande Proprietário" ou "Grande Espectador").
Para quem preferir um fundamento menos metafísico e religioso, eu observaria
que, em tempos de uniformização e padronização, fazer sacrifícios em busca de
seus próprios sonhos é a máxima atitude de rebeldia anti-conformista possível.
É possível morrermos
tão originais quanto nascemos? Talvez apenas as solitárias corridas de longa
distância de nossas vidas possam, de fato, dar resposta para esta dúvida.