Quando
chega a hora das comemorações de Ano-Novo, não dá outra: tem sempre alguém
prontinho, com pedras na mão, pronto para espinafrar o momento de comemoração
coletiva, usando algum tipo de racionalização superficial como argumento. É o
chato "do contra", querendo tirar a importância do momento só para
azucrinar a festa alheia.
As
máximas da inconveniência pseudocientífica nesta linha são variadas: "Einstem
provou que o tempo não existe da forma como o percebemos"; "o
Ano-Novo é meramente uma construção cultural"; "primeiro de janeiro é
um dia como qualquer outro"; "não existe esta separação temporal
artificialmente imposta pelas sociedades humanas", etc.
Não
dê bola para frases feitas desse tipo: é pura chatice travestida de
racionalismo científico (no caso, uma visão muito ingênua sobre o que vem a ser
"ciência"). Ciência não é apenas números e constatação empírica de
fatos do mundo natural, mas também o conhecimento, estudo e reflexão sobre a
forma como nós, humanos, estamos no mundo e o interpretamos - seja por meio do
pensamento, da linguagem, dos costumes ou das emoções.
Sentimos
a passagem do tempo de uma determinada forma e construímos culturas e tradições
com base nas nossas percepções. Isso nada tem de "anti-científico".
Por que damos sentido e valor para as nossas experiências de vida? Simplesmente
porque somos as únicas criaturas sobre a Terra capazes de fazê-lo. Nossas vidas
podem parecer breves instantes na comparação com os corpos celestes que orbitam
pelo cosmos por milhões de anos, mas nem as maiores estrelas e nem os mais
exóticos planetas são capazes de interpretar suas existências e de dar valor e
sentido para aquilo que experimentam. Modéstia à parte, é uma prerrogativa
exclusiva dos humanos. É nóis na fita, galerê!
Então,
caso alguém me perguntasse (ninguém perguntou), a minha mensagem de Ano-Novo
seria esta: para fins comemorativos, pouco importa o que o tempo "é"
do ponto de vista da física teórica, das modernas teorias matemáticas, etc.
Pensar o nosso ser-no-mundo desta forma é de uma canhestrice análoga ao que
descreve a famosa anedota literária de Douglas Adams, na qual um
supercomputador passava milênios procurando a
resposta para "a grande questão da vida, do universo e de todo o
resto", apenas para ao final comunicar a todos que a aguardada e preciosa
resposta era "42".
A
nossa forma de estar no mundo, vivenciá-lo e interpretá-lo pede por momentos de
encerramento e de renovação. Somos narrativas. Vivemos capítulos enquanto as
nossas vidas estão sendo escritas. Somos a história sendo feita a cada dia que
passa. E sabemos que somos imortais apenas por um período de tempo muito
limitado.
Tudo
isso representa um bocado de responsabilidade em nossos ombros e, por isso, um
momento de pausa, reflexão, confraternização e celebração é absolutamente
necessário.
Na
festa de Ano-Novo, não tenha dúvidas: cerque-se das pessoas que você gosta e
celebre com alegria este importante rito periódico de passagem. Ao contrário do
que frequentemente acontece com os personagens do George R. R. Martin, você
chegou vivo ao final de mais um capítulo. Você tem muito o que comemorar. E,
quando aquele chato aparecer na festa "denunciando" o caráter
"artificial" da ideia de Ano-Novo e a banalidade de nossas
comemorações, não pense duas vezes: jogue o infeliz na piscina. De roupa e
tudo, com o iPhone no bolso, para aprender a deixar de ser murrinha.
Feliz
2015 para todos! :)